quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Doutor é quem tem doutorado!


Godofredo, desde muito novo, é um entusiasta da tese de que “Doutor é quem tem doutorado”!

Durante os cincos longos ano da faculdade de Direito, Frêdo, como era tratado pelos mais íntimos, travou árduas batalhas com os colegas que, ao contrário dele, falavam que o tratamento de “Dr.” é apenas uma convenção social sem grande importância pra humanidade. Godofredo, porém, sempre foi duro na queda.

O sonho dele sempre foi defender essa tese perante um Juiz, em audiência. Durante muitas aulas de processo, vários foram os momentos que Godofredo perdeu-se em pensamentos imaginando o auge desse grande dia!

Eis que o tempo passou, e é chegado o grande dia...

Godofredo, agora Dr. Advogado, ops, digo, bacharel inscrito na Ordem, adentra a sala de audiência e toma o seu lugar. Trata-se de audiência trabalhista. O Magistrado, feito o pregão e lido o relatório, pergunta:

- Doutores, há possibilidade de acordo?

Antes de qualquer manifestação, Godofredo ataca:

- Excelência, pela ordem! Doutor é pra quem tem doutorado! Faço requerimento no sentido de que nem eu nem meu colega, defensor da parte contrária, sejamos tratados de tal forma.

O juiz, meio que sem acreditar no que escuta, indefere o requerimento sem mais delongas.

- Que sejam registrados os meus protestos! Esbraveja Godofredo.

A audiência foi longa e testou a paciência de todos. Foram registrados quase 50 protestos por parte de Godofredo, todos pelo mesmo motivo: “Doutor é quem tem doutorado!”.

Godofredo ainda tentou defender sua tese em mais algumas outras audiências nas mais diversas searas do Judiciário, mas seu esforço foi em vão. Arrumou mais confusão do que amigos no meio. Até os clientes começaram o fugir. É então que ele tem a ideia de fundar a ONG “Doutor é quem tem doutorado”, a DEQTD.

Hoje, Godofredo divide seu tempo entre várias palestras proferidas para adeptos da tese e andanças pelos corredores do Congresso Nacional. Ele montou todo um pré-projeto que defende que seja proibido designar de Doutor qualquer pessoa que não possua Doutorado. Busca incansavelmente o apoio dos Deputados e Senadores.

O grande Godofredo é, ainda, entusiasta de mais uma ONG, a MEQTM – “Mestre é quem tem Mestrado”. Depois dessa genial ideia do Godofredo, os torneios de xadrez e campeonatos de arte marciais nunca mais foram os mesmos. 

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Duas histórias...


Duas histórias...

            Estamos no mês de dezembro de 2000. Inicia-se a segunda semana do último mês do ano. Muitas famílias, grupos de amigos, departamentos de RH`s andam a mil com os preparativos para as confraternizações de fim de ano. Já alguns jovens encontram-se na reta final de estudos para o vestibular. Nesta barca estão Helena e Capitu. E além da coincidência de terem nomes de personagens de Machado de Assis, ambas concorrerão a uma vaga do curso de Direito, na mesma faculdade, que tem seleção marcada para o próximo fim de semana; e ainda frequentam o mesmo cursinho.

Jovem de classe média alta, no auge dos seus 18 anos, Helena é a única filha de um casal de advogados muito bem conceituados. A garota sempre teve uma vida confortável e frequentou os melhores colégios da região. Fez aulas de balé, natação e línguas estrangeiras. Sempre teve acesso a todas as atrações culturais da cidade. Os pais nunca pouparam esforços para conceder tudo de melhor a sua filha. Mas o que Helena curtia mesmo era sair por aí, zoar com a galera e namorar! E este último verbo, para ela, uma loirinha de impactantes olhos azuis, com ares de Lolita do Nabokov, nunca foi difícil “conjugar”... Pretendentes não faltavam!

De uma prole de 06 filhos, Capitu era a mais velha, apesar dos parcos 17 anos. Não se podia dizer que era feia, mas seu corpo franzino dava-lhe aspecto de uma desnutrida garota de pouco mais de 13 anos. Naquele mês de dezembro, completavam-se dois anos do assassinato de seu pai, que se envolveu em uma briga de bar e foi morto de forma violenta. A tragédia abalou a pobre moça que se viu com a obrigação de ajudar a mãe no sustento de casa. Ela que sempre foi muito estudiosa, o que lhe garantiu inclusive bolsa de estudo no cursinho Brás Cubas, o melhor da cidade, jurou para si mesma que estudaria ainda mais e entraria na faculdade de direito para, quem sabe um dia, ser Promotora de Justiça e poder colocar na cadeia pessoas como o assassino do seu pai, e, ainda, ajudar sua família a ter uma vida mais confortável.

É chegado o dia da prova. Em passos largos, Helena é a última a chegar à sala de provas. Além de apressada, encontra-se receosa, afinal ela bem sabe que durante o ano destinou boas horas a festas e bate-papos intermináveis com amigas ao telefone, quando deveria estar perante os livros. Apesar de não ser das piores alunas, ela compreende que pela estrutura que tem a sua disposição seu rendimento poderia ser muito melhor. Já Capitu foi a primeira a chegar ao local de provas e já se encontra aguardando na sala de provas. Muito nervosa, tem na memória a figura de sua pobre mãe e de seus irmãos. Lembra-se da promessa que fez, sendo que neste momento recai sobre si um medo de fracassar, e de que todo o esforço possa ter sido em vão... Vem à mente a figura do seu pai.

Helena, ainda à porta, observa a sala e vê que o último lugar vago é bem ao lado de uma garota que ela lembra já ter visto pelos corredores do cursinho. Lembrou que Capitu era o nome dela. Lembrou, ainda, que de longe, e sem motivo aparente, nutria certa simpatia por aquela menina, apesar de nunca ter tido contato com ela. E até pensou que, quem sabe, não é o destino lhe ajudando, afinal ela sabe que aquela garota sempre foi a melhor aluna do cursinho. Então, quem sabe, caso lhe faltasse algum assunto à memória, não lhe custaria nada relembrar observando o caderno de respostas daquela menina inteligente, mas de poucos amigos.

Capitu ficou observando Helena durante o trajeto que esta fez da porta de entrada até a cadeira que ficava ao lado da sua. Sempre achou aquela moça muito bonita, e admirava o modo elegante como se vestia. E inclusive, em alguns momentos de fraqueza, coincidentemente sempre que suas “feridas” eram castigadas, não foi possível evitar um pouco de inveja...Tal momento de contemplação durou pouco tempo. Logo tocou o sinal para o início das provas, os fiscais repassaram as instruções e a prova começou.

Helena, bastante nervosa, respondia a prova de forma receosa, encontrando dúvidas no momento de escolher a alternativa correta. Já Capitu pecava mais pelo zelo de ler e reler as alternativas, mesmo que já tivesse chegado a uma conclusão acerca de qual marcar. Helena encontrava-se inquieta, vacilante e insegura quanto à possibilidade de ser aprovada. Capitu estava absorta em seus pensamentos, concentrada na sua tarefa e, passado o nervosismo inicial, já sentia certa segurança de que seria aprovada.

Capitu ajeita-se para entregar sua prova ao fiscal quando observa que Helena encontra-se com dificuldade em responder a última questão. Num gesto que Capitu não soube o porquê, concedeu o único espaço durante todo o decorrer da prova para que Helena observasse o seu caderno de questões, e, concomitantemente, apontou a alternativa “D” como sendo a correta. Helena, inicialmente assustada, agradeceu com um sorriso disfarçado, apesar de no mesmo instante ter sido tomado por sentimento de desprezo por aquela garota que em momento algum deu chance para que seu plano emergencial fosse posto em prática. Aquela foi à única questão que conseguiu pescar!

Dia do resultado do vestibular. Helena, bastante agitada, tenta conseguir informações com amigos e amigas em busca da lista oficial. Capitu ouve atentamente a divulgação da rádio local. São divulgados os primeiros informes, e a mãe de Capitu chora de alegria ao ouvir o Reitor anunciar o nome de sua filha como sendo a primeira colocada no curso de Direito, dentre 50 vagas ofertadas. Depois de tantas tristezas, aquele é um momento ímpar de alegria naquela pobre família. Já Helena fica cabisbaixa ao saber que ficou na 51ª posição. Sente-se culpada, afinal se tivesse se dedicado um pouco mais aos livros e menos aos bate papos e festas, talvez tivesse conseguido, já que faltou tão pouco.

Chega o mês de março do ano seguinte e, logo após os calouros realizarem suas matrículas, a Faculdade divulga relação de segunda chamada. Helena vibra com a sorte que lhe voltava a sorrir. E não poderia deixar de vibrar, afinal sobrará uma única vaga. Ela foi a única candidata chamada na segunda lista. Somente agora, então, Helena se dá conta da importância daquela única questão repassada por aquela garota estranha, acerca da qual sabia apenas que se chamava Capitu, pois foi exatamente aquele um ponto a mais que lhe garantiu a primeira posição de suplência na seleção, e sua convocação.

Helena formou-se no ano de 2005. Neste mesmo ano casou-se com Machado, um colega de turma. Entrou para a banca de advogados dos pais, e hoje divide seu tempo entre os milionários processos de grandes empresas e causas de pessoas pobres que não possuem condições de pagar os serviços de um advogado. Já Capitu faleceu no dia que ia realizar sua matrícula. Foi atropelada. Sua pobre mãe enlouquecera após a tragédia, e hoje vive num manicômio. De seus irmãos, não se tem notícias.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Caíssa...

Caíssa...
Duas da tarde. O sol brinca de aparecer e esconder-se por entre as nuvens. Mesmo assim, em momento algum, ele se esquece de abraçar a cidade e demonstrar todo o seu afetivo calor. Na cidade, tudo normal. Trânsito louco e calçadas repletas de pessoas num vai e vem frenético. De diferente, só o tradicional ar de sexta-feira, aquele cheirinho de final de semana se aproximando.

Caíssa tem pressa, está atrasada para o trabalho. Ajeita os últimos detalhes da roupa enquanto já fecha a porta. Mas na verdade, preferiria mesmo era ficar dormindo, pois trabalhou muito no dia anterior e seu corpo pede descanso. Na verdade mesmo, ela nem queria ir para o trabalho. Vai somente porque ainda tem um ano de mensalidades de faculdade pela frente, metade de um enorme carnê de seu carro, aluguel, quatro ou cinco sapatos que ela ainda nem usou, duas bolsas que ela não sabe por qual motivo comprou e algumas outras continhas básicas que só a alma feminina compreende.

Já tem um bom tempo que Caissa se cansou do que faz. Às vezes, até imagina que era feliz, e não sabia, quando trabalhava naquela lojinha da mãe de uma amiga de infância. Todavia, Caissa tem um sonho: ela quer ser arquiteta. E não via como conseguiria pagar a alta mensalidade do curso se continuasse ganhando o que a mãe de sua amiga podia lhe pagar como salário. Caíssa sempre achou que realizar seus sonhos vale alguns sacrifícios, então seguiu. Tinha que arrumar algum emprego que pagasse bem, mesmo que fosse um trabalho duro. E conseguiu...

Caissa acelera. Os semáforos parecem não colaborar; ela então aproveita e arruma a maquiagem. Num desses semáforos da vida, ela ri quando vê que mais do que nunca seu instinto materno vem falando alto. Fica observando admirada uma família que cruza a faixa de pedestre, e sonha com o dia que poderá realizar seu desejo de ser mãe e formar uma família. Deseja ter ao seu lado um homem que a respeite como mulher, um filho para educar e dar carinho... Um buzinaço... E Caissa retorna ao mundo real. Olha o relógio e percebe que se encontra 10 minutos atrasada.

Caissa é daquele tipo de mulher que causa torcicolo. Alta, loira, corpo esculpido em aulas de dança e academia e, o que mais se destaca, é dona de olhos verdes que instigam o perigo. É também muito inteligente. Gosta de literatura. Conhece alguns poemas e adora recitá-los de cor. Tem bom gosto musical. Fala sobre política, religião e arte. Conhece as obras de um ou outro filósofo. Sabe até explicar quando um jogador encontra-se em impedimento.

Porém, mesmo com tantas qualidades, Caissa não sabe o que é amar e ser amada há um bom tempo. E ela até sabe o motivo: o trabalho toma todo seu tempo e energias. Além do que, não acredita que algum homem entenda sua opção e que ela trabalha tanto apenas para realizar um sonho cada vez mais próximo. Mas, sempre foi sabedora que tinha um preço a pagar, e resolveu seguir.

O que lhe dói pra valer, porém, é ter que ficar longe de casa e não ter o carinho dos pais. Ela sente falta do amor de mãe e do afeto do pai e de seus cinco irmãos. Mas ela sabe que tem que trabalhar duro. E o que acalenta um pouco seu peito sofrido é saber que o dinheiro que manda pra sua mãe esta ajudando a melhorar a vida de todos que ficaram naquela cidadezinha perdida num interior qualquer.

Caissa chega ao seu local de trabalho. Pega o telefone e antes de ligar pede proteção a Deus, é religiosa. Pede que seja mais um cliente gente fina e que nada de ruim lhe aconteça. Pra tomar coragem, lembra-se de seus sonhos e, também, que este é um dia a menos de trabalho, e não mais um dia. Ela liga...

- Alô?

- Oi amor! Desculpa o atraso.
- Tudo bem.
- Qual o número do seu quarto?
- 38.
- Ok. Vou apenas confirmar na recepção. Já tô chegando. Um beijo...